“Umbangu Espaço Cultural Virtual de Ação Decolonial” nasceu e está prontinho para te receber!

“Aqui em Umbangu, a arte é também uma ferramenta potencializadora/ampliadora/transformadora da vida… E a vida é compreendida como à nossa forma de ser, sentir e conhecer o mundo!” @rosemarakielela

Logo quando adentramos no espaço virtual UMBANGU, sentimos de imediato o afeto com que a artivista Rose Mara Kielela criou este lugar de partilha de conhecimentos muito profundos sobre o que ali se expressa.  

UMBANGU é um espaço de compartilhamento de saberes e fazeres artísticos alinhados com a opção decolonial, na qual o ato artístico pode ser compreendido como ferramenta de transformação da vida, que é constituída pela nossa forma de ser, sentir e saber.

Nesta perspectiva o fazer artístico envolve também a nossa potencialidade de aprendizagem (educação), e a nossa constituição identitária/modo de sentir o mundo, que se expressa na nossa saúde mental, e por sua vez é determinante para a nossa saúde integral. Sendo assim, em Umbangu esses três temas: arte, saúde mental e educação, estão entrelaçados em suas mais diversas possibilidades: obras artísticas, cursos, palestras, vivências terapêuticas, rodas de conversa e muito mais.

A pesquisa desenvolvida pela multi-artista, dançarina, terapeuta Rose Mara Kielela (SP/Brasil) é uma pesquisa profunda e criativa, a qual a artista expressa através de múltiplas linguagens, enraizada nos aprendizados com o mundo, em suas próprias experiências enquanto mulher africana em diáspora, que fez o caminho Sankofa de volta até a Terra-Mãe, havendo vivido em Angola.

Assim que Rose agora nos presenteia com este trabalho incrível, que permanece no ar até novembro de 2022.

A exposição virtual faz parte de um amplo projeto, composto por várias atividades em formato presencial e online, e por uma galeria de arte 3D que está sendo inaugurada com a exposição Mûntu, uma obra de fotoperformance que aborda a cosmopercepção da existência em afrosperpectiva, evocando a honraria e percepção da vida em seu espectro mais amplo, inspirando-se na Dikenga Dia Kongo, cosmograma bakongo que simboliza os ciclos da existência.

Idealizado por Rose Mara Kielela, Umbangu é um espaço de compartilhamento de saberes e fazeres artísticos alinhados com a opção decolonial, na qual o ato artístico pode ser compreendido como ferramenta de transformação da vida” https://umbangu.com/

“UMBANGU é uma palavra que em kickongo e kimbundo significa: a arte de aproveitar o conhecimento das ciências (experiência sabedoria) para produzir efeitos surpreendentes (transformação). Tal palavra é uma das designações possíveis para a noção de arte entre esses povos, que é muito diferente da noção de arte que temos no mundo ocidental, para os povos Congo (África do Oeste), podemos perceber na sentença que o fazer artístico está fundado no conhecimento advindo da experiência sabedoria (ciências) e visa a transformação (efeitos surpreendentes).” Rose Mara Kielela

Mûntu: expo online interativa, sobre osmopercepção da existência em afrosperpectiva

Release: A exposição Mûntu aborda a cosmopercepção da existência em afrosperpectiva, evocando a honraria e percepção da vida em seu espectro mais amplo, inspirando-se na Dikenga Dia Kongo, cosmograma bakongo que simboliza os ciclos da existência. Dentro destes ciclos, X mûntu passa por todas as fases: O nascimento (sol nascente que encarna para iluminar os caminhos da comunidade), a maturidade (ápice da vitalide e serviço à comunidade), a morte (retorno ao mundo dos ancestrais) e os não nascidos (estado de latência para retornar à roda dos vivos).É através da ação/movimento que X Mûntu transforma a si e ao entorno, num fluxo contínuo, porque é assim que honra os ancestrais que (re) vivem nelx, se reconhece no agora, e se projeta no futuro. O movimento é a força que permite o entrelaçamento dos tempos nx Mûntu que está encarnadx, é a força criadora/geradora da vida, presente na energia feminina, que está presente nx Mûntu, e é sufocada/temida no mundo contemporâneo. Ao se mover X Mûntu recria os territórios ancestrais no espaço presente, pois a noção de pertença dx Mûntu não está atrelada a propriedade de um pedaço de terra específico, pois X Mûntu carrega a terra em si, no seu existir.
Mûntu não flexiona gênero porque é total, e sua existência transcende a fisicalidade, e engloba uma totalidade de sentidos, que vão além do aspecto visual da existência.
Com base nesses princípios a fotoperformance evoca a existência total e receptiva da vitalidade, propondo o reconhecimento do dinamismo cósmico, da força da nossa presença no mundo, esperançando e empoderando a audiência das potencialidades guardadas no simples/complexo fato de estarmos aqui, agora. Mûntu transgride noções dualista de tempo, espaço e dimensões da existência, nos permite esperançar e coragir (agir com o coração), num ato de inspiração (inspirar/ação) à vida, integração do eu/corpo.

.
A exposição estará disponível para visitas até dia 25/11, e pode ser acessada pelo link: https://umbangu.com/#galeria

+ info sobre Rose Mara Kielela::::

Umbangu-etã Ateliê:https://www.facebook.com/umbanguetaatelie/

Umbangu-etã Ateliê: https://umbangu-eta.blogspot.pt

Dança da fronteira:  http://dancadafronteira.blogspot.mx/

Kala . o nascer, ser, estar

“A pessoa humana é um segundo sol que se levanta e se põe ao redor da terra. Ele tem que levantar-se como o Sol, para Kala, ser, ser, acender fogo. O conceito de Kala e Kalazima está associado com a escuridão, é usado como símbolo da emergência da vida, o mundo físico (ku Nseke).
O Ngunza, mestre espiritual, está associado com as forças detrás deste conceito e este processo. 
Kala é a vontade mais forte da existência de Muntu (a pessoa humana), tal como encontramos em suas experiências diárias:
Kala / ba muntu- uma pessoa humana, um ser útilKala / ba n’kisi a kanda- a medicina da comunidadeKala / ba nkasi a kanda- um líder da comunidadeKala / ba nganga- um especialista, verdadero conhecedor, maestro, fazedorKala / ba n’kingu a kanda- o principio da comunidadeKala / ba kimpa mu bimpa- um sistema dentro dos sistemasKala / ba diela mu bimpa bia muntu- sabio e sensível aos sistemas humanosKala / ba kala, i sa vo n’zimi ye n’kwiki-estar vivo, quer dizer um extintor e ascendedorKala / ba mfumu ye nganga- um líder e especialistaKala / ba lembanzau kia kanda- o mais fuerte da comunidadeKala / ba n’kongo te n’konguludi a kanda- um Mukongo e juíz de sua comunidade” 
African Cosmology of the Bântu-Kôngo (por KlMBWANDENDE KlA BUNSEKI FU-KlAU)

Estágios do Tempo Vital. Cosmograma Bantu Dikenga . colagem digital por @mo.maie

Cosmopercepção Gnaoua

Os Gnaouas são descendem de afrikanos da África Ocidental, levados para trabalhar como escravizados no norte do Sahara, para dar suporte ao Império Almohade, trabalhando no exército e na construção de edifícios e fortificações.

Muitos se instalaram no Marrocos, onde seus descendentes ainda hoje mantêm as tradições ancestrais, que se fundiram com práticas islâmicas sufistas e beribéris, mantendo parte de suas práticas animistas.

Essaouira, cidade portuária marroquina possui a mais importante reunião de músicos Gnaouas de todo o Marrocos, com relevante visibilidade artística e agenda cultural; em sua décima quinta edição, também sedia o Festival de Gnaoua e Músicas do Mundo (ver http://www.festival-gnaoua.net/fr/).

Os gnaouas possuem um ritual místico de transe (chamado de “Lila” – que em árabe quer dizer noite – ou “Derdeba”) onde a música é o principal elemento de união de seus adeptos com suas divindades. Durante toda a noite, ao som do guembre (baixo acústico de madeira) e dos krakabs  (castanholas de ferro), os músicos cantam e invocam mluks (as entidades sobrenaturais). A dança de transe, os aromas especiais e o uso da simbologia das cores fazem desse ritual uma sessão terapêutica que cura a alma e o corpo dos participantes.

Uma Derdeba (a LILA) dura uma noite, desde o pôr do sol até o amanhecer. Há lilas de três ou SETE dias, dependendo da intenção do encontro, se é um mussem (peregrinação) ou se a Lila se fará em uma Zaouia ( templo de santo). As lilas de adeptos comuns dura uma noite, e as Lilas de videntes ou mestres (mokdema,  mokdem ou maalems) são mais intensas. É um ritual de transformação, é a passagem da vida pela morte, e a volta pela ressureição.

Geralmente o mestre da cerimônia faz um sacrifício, de um bode preto, ou galinhas: este é o sangue oferecido às entidades. Além do sangue, cada entidade pede uma comida, um elemento, um insenso, uma cor (os adeptos dançam  em transe com suas cabeças cobertas por um tecido da cor correspondente a sua entidade).

Os músicos chegam cedo, tomam chá, conversam, ajudam no sacrifício de um animal (às vezes o sacrifício deve ser feito um dia antes). A vidente toma o primeiro sangue derramado do sacrifício, é um sangue puro e cheio de magia. Depois deste primeiro sangue, tomado pela mokdema (vidente) o resto do sangue é impuro, e pertence à terra. Há quem prepare a carne do sacrifício para o jantar, e há quem descarta essa carne (normalmente galinhas são descartadas). As cozinheiras preparam o jantar, que é servido entre dez e onze da noite. Antes disso, todos cantam, tomam chá com biscoitos, e esperam, esperam, esperam. Até antes do jantar, nada é completamente sagrado, tudo é um pouco profano. Muitos dizem que os espiritos só chegam quando sentem o perfume dos incensos (bror).  

A partir de meia-noite, o Maalem (o mestre) chama os muluks (entidades).

A Lila Gnaoua, ou Derdeba,  está dividida em três partes:

1-    Aada – Os tambores tocam para chamar os espíritos na porta da casa onde se fará a cerimônia. Cantam “ Al Efô”, o canto do sacrifício, do defloramento, da penetraçao.
2-    Uqba- O jogo de maos. Parte feminina, todos batem palmas, e chamam todos os santos. Bater palmas é a representaçao da vida, do início, quando o ferro ainda nao existia. Por esta razao, os musicos utilizam as palmas, e nao os krakabs (castanholas de ferro): unem a mao direita(a vida) e a esquerda(representando a morte) e cantam os 99 nomes de Alla.
3-    Meksa – o ferro, o sacrifício. Os músicos começam entao a utilizar os krakabs, o ferro alquímico do sacrifício. A Lila é um ritual de morte e ressureiçao, onde o adepto passa pela vida, morte, e renascimento. A Lila é a Transformaçao. A Aada é muito especial, na porta da casa, é um convite. É a chamada dos espiritos, é o início. As mulhes seguram velas, que iluminam o início do ritual. O incenso perfuma a rua, e todos os presentes.Todos tomam uma colherada de leite (o sopro da vida, o esperma que fecunda) e comem uma tâmara (representa o sangue, o sacrifício). Os tambores vibram de maneira especial: os corações batem ao ritmo deles!! As pernas tremem, o corpo vibra, algumas pessoas sentem escalafrios. Antes de chamarem as entidades para o transe(mluk), escutamos as canções profanas, de Kuyu, quando os músicos cantam e dançam fazendo acrobacias.

É comum também, após este momento, que um gnaoui comece a invocar a Alla pela saúde dos adeptos, neste momento, cada um que deseje, dá um baraka (uma oferenda, dinheiro) para os músicos. A baraka te dá prosperidade, saúde.

Muitos doentes chegam às Lilas. Para curar-se com o transe, ou apenas para estar presente no ritual, já é uma forma de abençoar-se.

A Lila é terapêutica. A maioria dos adeptos são as mulheres, que vêm em busca um momento de transe, de cura, de fertilidade, de milagres para suas famílias. As mulheres colocam suas melhores roupas, e seguramente investem dinheiro no momento da baraka. Depois deste momento, de doação de dinheiro, de pedir a cura, vem a pausa do café ou chá. Os músicos entram numa sala preparada só para eles. Quando voltam, acendem a brasa do salaban (um pote com carvão em brasa) e jogam pedras de incenso. Os muluks serão chamados. Há uma sequencia de cores para chamar as entidades, dependendo da cidade ou região do Marrocos.

Quase todos os lugares, começam pelo branco. Existem três cores fundamentais em uma lila: BRANCO: A vida, a espuma, o esperma, a paz, o início. VERMELHO: O sangue, o sacrifício, o casamento, o sexo, a penetração, a violência, o fogo. PRETO: O fim, o vazio, a morte, a escuridão, o tenebroso. Tudo é NEGRO em origem, e se torna branco quando se exterioriza. Sabemos que o branco é a mistura das cores do prisma… 

A Lila segue esta lei, é uma representação cosmogônica, é a dança das sete cores do universo. 

É o início, o meio e o fim.