“NIAMAKALA: INSTRUMENTOS MUSICALES ANCESTRALES, EDUCACIÓN Y SALUD” . Dia 8/10/22 . Festival Niamakala

El sábado, 08/10/22, eres nuestr@ invitad@  para participar de la mesa de intercambio de ideas “NIAMAKALA: INSTRUMENTOS MUSICALES ANCESTRALES, EDUCACIÓN Y SALUD”.

Maria Anália (Brasil) @analia_mar.ia será la mediadora, desde Brasil, y como invitados:

Karim Bengaly (Mali) 

Boynayel Mota (República Dominicana) @boynayelmota

Gusta King (Argentina)

Nuestro encuentro se llevará a cabo a través de la plataforma zoom. 

Contará con traducción simultánea, a través del apoyo logístico del equipo de la UNED @cultualuned y del centro de idiomas Uned @centrodeidiomasuned (Costa Rica).

Sucederá a las: 13:00 Costa Rica 16:00 Argentina/Brasil 19:00 África Occidental 21:00 Francia. Próximamente, el enlace de la reunión estará disponible en el perfil @festival.niamakala

.

Realización:
@nomad.djalo (Brasil)

@boaviagemtropical (Costa Rica)

Bamba Instrumentos Musicales de África Occidental (Argentina)

Apoio financeiro:

@ibermusicas

@funarteoficial

Apoio logístico y difusión:

@culturaluned

@radiogriot

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Dia da África – mais do que comemoração é preciso ação política, por Matilde Ribeiro e Thiago Barbosa

“O Dia da África (25 de maio) é um marco importante de ser conhecido pelas/os brasileiras/os. A partir dessa informação, pode surgir a pergunte: que relevância o Dia da África tem para o Brasil? A reflexão sobre comemoração e ação, pode começar por aí.

Dia da Áfrika – mais do que comemoração é preciso ação política

Cabe assinalar que o 25 de maio não é só ou tão somente uma data para se comemorar; é também um chamado à reflexão sobre passado, presente e futuro.

Entre vários os motivos para refletir sobre comemoração e ação em relação ao Continente Africano, podemos destacar: a) o Brasil é o país que, fora da África, tem a maior quantidade de população negra; b) vivenciamos em nosso país quase 400 anos de escravização das/os africanas/os que foram capturadas/os da África; c) o Brasil de maneira oficial, teve historicamente grande distanciamento do Continente Africano. Apenas a partir dos anos 1960 inicia-se uma aproximação, porém de maneira descontínua.

Breves informações sobre o Continente Africano

Em relação ao Continente Africano é importante conhecermos que, no dia 25 de maio de 1963, chefes de Estados de 32 nações africanas “reuniram-se em Adis Abeba, Etiópia, para assinar a Carta que criou a primeira instituição continental pós-independência da África, a Organização da Unidade Africana (OUA)” [1] visando fortalecer as lutas contra a colonização europeia e o regime do Apartheid. Porém, as discussões sobre colonialismo, imperialismo e racismo foram mantidas no contexto africano. O “Dia da Libertação da África” foi instituído em 1972, pela Organização das Nações Unidas (ONU). Posteriormente, em 2002, a OUA foi substituída pela União Africana (UA) – órgão constituído pelos 55 estados do continente –, e o 25 de maio passou a ser mais intensamente celebrado como o Dia da África.

Em abril de 1955, Indonésia, Birmânia, Ceilão, Índia e Paquistão organizaram uma conferência em Bandung, na Indonésia. Participaram do evento representantes de 23 países asiáticos[2] e 6 países africanos[3]. Esses 29 países, segundo Bulau (2016), “representavam mais da metade da população mundial”. A Conferência Afro-Asiática, ou Conferência de Bandung, como também é conhecida, marcou a percepção de que as relações com as duas superpotências à época (EUA e URSS), bem como com outros países influentes do Norte Global, estavam aquém das necessidades e expectativas dos países do Sul. Era preciso, portanto, investir em relações Sul-Sul.

E além dos domínios econômico, político e social impostos pelos países do Norte, criticava-se também o racismo em todas as suas formas e consequências. Tais percepções ensejaram posteriormente a formação de um bloco alternativo àquelas superpotências, o chamado Movimento dos Não-Alinhados. Assim como Bandung, este movimento é considerado um marco acerca das relações Sul-Sul. Entretanto, havia diversas querelas existentes entre as nações participantes e isto gradativamente minou a perspectiva de solidariedade afro-asiática.

Em 2006, no período de 12 a 14 de julho, Salvador (BA) foi palco de realização da II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora16 (CIAD) sob coordenação do Ministério das Relações Exteriores (MRE) em conjunto com o Ministério da Cultura (MinC) e a SEPPIR, em parceria com o Senegal e a União Africana. O objetivo da II CIAD foi de aprofundar os temas de interesse da África e da diáspora, como relações de gênero, educação, identidade cultural, saúde, democracia, paz, desenvolvimento, idiomas, colonialismo, religiosidade, cooperação internacional, ações afirmativas e políticas de combate ao racismo, xenofobia e outras formas de discriminação.

Na “Carta de Salvador” a II CIAD anuncia que o Renascimento Africano concretiza no século XXI uma nova era “em que todos os povos e países tenham acesso à riqueza e à cultura, em pleno respeito da dignidade, dos direitos e dos valores das crianças, mulheres, idosos e homens de todas as etnias e crenças” (Fundação Cultural Palmares, 2007, p. 91).

Uma das perspectivas africanas de investimento em desenvolvimento social, como por exemplo, ampliar as possibilidades educacionais das/os africanos tem se iniciado a partir de uma ação de cooperação entre Brasil e África. É o caso da UNILAB – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira, criada em 2010, no Ceará, expandindo-se para a Bahia, em 2014.

Assim, com as finalidades de desenvolvimento de ensino, pesquisa e extensão universitária, a UNILAB desenvolve-se a partir da interiorização e internacionalização, e tem por missão institucional específica formar recursos humanos para contribuir com a integração entre o Brasil e os demais países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), especialmente os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) – Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, fortalecendo a cooperação Sul-Sul. Visa, também, o tratamento de questões relativas à diversidade étnico-racial, cultural, religiosa, de gênero e de orientação sexual com o intuito de contribuir para a superação das desigualdades.

Brasil e suas mazelas racistas e possibilidades de superação

Com a intenção de chamar a atenção do Brasil sobre a África, duas personalidades brasileiras formularam importantes reflexões. Abdias do Nascimento já falecido, e, valoroso ativista da luta pela inclusão da população negra, no ordenamento político nacional e no acesso a direitos sociais e raciais, declarou no seu discurso de posse no Senado Federal: “a afirmação da nossa origem africana não implica nenhuma rejeição à nossa identidade nacional brasileira, pela simples razão de que a identidade nacional brasileira também é africana”. Em 2015, Celso Amorim (embaixador brasileiro, foi Ministro das Relações Exteriores e da Defesa), como palestrante na série “Conversas sobre África” do Instituto Lula, realizou um balanço sobre as relações Brasil-África, e afirmou: “damos atenção à África porque a África mora aqui”.

Estas perspectivas conduzem a reflexões sobre a fragilidade do reconhecimento dos vínculos históricos do Brasil com o continente africano e a necessidade de fortalecimento da agenda de trabalho sobre relações e cooperação Brasil – África.

Para tanto, faz-se necessário conhecer minimamente a história e a cultura dos povos africanos, e as contribuições destas para as sociedades as quais estes povos foram escravizados. Ainda, é importante constatar que após 134 anos da abolição da escravidão, mesmo com persistentes vozes clamando pela superação do racismo, devido à forma como se deu a abolição que até hoje não foi concluída, pelo fato de não ter sido encaminhada a inclusão dos ex-escravos como seres humanos livres, com direitos a participar da vida social, política, cultural e econômica no país. Dessa forma a população negra é a mais pobre entre os pobres, sendo empurrada a condição de subcidadania.

Visando incidir na superação do racismo, o Movimento Negro brasileiro, sempre esteve à frente das lutas da classe trabalhadora, mantendo ainda especificamente a ação política e organizativa da população negra, ocorrendo também (principalmente nas últimas décadas) a movimentação política das mulheres negras de maneira autônoma. Há também um posicionamento desses agentes políticos de que a luta antirracismo não deve ser tocada só pelas/os negra/os organizados, e, sim por meio de uma ação conjunta com brancos, asiáticos e indígenas, a considerar que o racismo atinge mais diretamente a população negra, mas seus resultados afetam também o conjunto da população brasileira. Nesse sentido, em aliança com os setores progressistas da sociedade têm logrado – à base de muita luta, de avanços e retrocessos – conquistas importantes nas últimas décadas.

No final dos anos 1970 e meados de 1980, com o enfrentamento a ditadura civil-militar no Brasil, diversos movimentos sociais passaram a se (re)organizar para pautar suas questões, incluindo o Movimento Negro (RIBEIRO, 2014). Com o intuito de responsabilizar o Estado brasileiro, a criar instrumentos de enfrentamento ao racismo e ao machismo, o Movimento Negro e a organização de mulheres negras, participaram ativamente da Assembleia Constituinte, em 1986, e logrou conquistas importantes por meio da Constituição Federal de 1988, como por exemplo: a criminalização do racismo; o reconhecimento e indicativos de políticas públicas para as comunidades quilombolas; e, ações afirmativas (o que resultou na aprovação em 2012 da Lei 12.711 – Cotas nas universidades públicas).

Assim, diante de diversas manifestações antirracistas e antissexistas, ao longo das últimas décadas, o Estado brasileiro reconheceu o caráter estrutural do racismo no país e passou a adotar medidas para o seu enfrentamento, mesmo que morosamente, aquém das necessidades dos grupos que vivem discriminações históricas.

Em 2001, o Movimento Negro, e, em especial, as organizações de Mulheres Negras, foram protagonistas da participação brasileira na III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada em Durban/África do Sul (conhecida como Conferência de Durban). Na ocasião, foram estabelecidas a Declaração e o Programa de Ação de Durban, documentos que registram uma agenda inovadora e orientada para a ação da comunidade internacional. Foram momentos emblemáticos na luta das/os negras/os brasileiros/as, em conjunto com africanas/os e a diáspora.

Dois anos após a Conferência, aprovou-se no Brasil a Lei nº 10.639/2003, que incluiu no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Esta foi complementada posteriormente pela Lei nº 11.645/2008, que incluiu a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Conforme esta lei, o estudo destas temáticas incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, da luta das/os negras/os e dos povos indígenas no Brasil, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (BRASIL, 2008)

A existência destas leis atesta que estes conteúdos não eram abordados pela História Oficial e, por conseguinte, pela educação brasileira. Ou, quando abordados, os conteúdos eram distorcidos e desvalorizados em benefício de outros, geralmente de bases eurocêntricas.

Mais do que omitir tais conteúdos, as classes dominantes brasileiras têm se prestado historicamente a escamotear, distorcer e falsificar informações sobre os povos africanos, população negra e povos indígenas. O exemplo mais emblemático disso é o mito da democracia racial.

Segundo Petrônio Domingues, “democracia racial, a rigor, significa um sistema racial desprovido de qualquer barreira legal ou institucional para a igualdade racial, e, em certa medida, um sistema racial desprovido de qualquer manifestação de preconceito ou discriminação”. (DOMINGUES, 2005, p. 116).

O mais surpreendente, neste caso, não é nem tanto o absurdo de democracia racial como mito, mas sim a sua manutenção ao longo de décadas, a despeito de inúmeras denúncias e ações políticas por parte de acadêmicos, ativistas etc. Isto reforça nosso argumento inicial sobre a necessidade de reflexão sobre o passado e o presente, para que possamos imaginar um futuro diferente e lutar para conquistá-lo.”

Matilde Ribeiro é doutora em Serviço Social, professora da UNILAB – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira. Foi ministra da SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas de Igualdade Racial e Secretária Adjunta da Secretaria Municipal de Igualdade Racial de São Paulo.

Thiago Barbosa é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais da UFABC – Fundação Universidade Federal do ABC.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei Nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em 11 mai. 2022.

______. Lei Nº 11.645, de 10 março de 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em 11 mai. 2022.

BULAU, Doris. 1961: Acaba a primeira Conferência dos Países Não Alinhados. Deutsche Welle. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/1961-acaba-a-primeira-confer%C3%AAncia-dos-pa%C3%ADses-n%C3%A3o-alinhados/a-319303. Acesso em 11 mai. 2022.

DOMINGUES, P. O mito da democracia racial e a mestiçagem no Brasil (1889-1930). Diálogos Latinoamericanos, [S. l.], v. 6, n. 10, p. 16, 2005. Disponível em: https://tidsskrift.dk/dialogos/article/view/113653. Acesso em: 23 mai. 2022.

DOS REIS, Raissa Brescia; RESENDE, Taciana Almeida Garrido. Bandung, 1955: ponto de encontro global. ESBOÇOS (UFSC), Florianópolis, v. 26, n. 42, p. 309-332, maio/ago. 2019. ISSN 2175-7976 DOI https://doi.org/10.5007/2175-7976.2019v26n42p309.

OLIVEIRA, José Roberto Guedes de. Dia da Libertação da África. Fundação Cultural Palmares – Governo Federal. Disponível em: https://www.palmares.gov.br/?p=3559. Acesso em 10 mai. 2022.

RIBEIRO, Matilde. Políticas de promoção da igualdade racial no Brasil (1986 – 2010) /

Matilde Ribeiro. – 1. ed. – Rio de Janeiro : Garamond, 2014. 368 p. ; 21 cm. Inclui bibliografia

ISBN 9788576173731.

_______.  Brasil e África: Desafios das Políticas de Igualdade Racial em Âmbito Nacional e Internacional. Revista Diálogos Africanos/Instituto Lula, nº 1. Jul/Ago/Set de 2015.

UNIÃO AFRICANA. About the African Union. Disponível em: https://au.int/pt/node/34613. Acesso em 10 mai. 2022.

[1] No original: “In May 1963, 32 Heads of independent African States met in Addis Ababa Ethiopia to sign the Charter creating Africa’s first post-independence continental institution, The Organisation of African Unity (OAU).”. Tradução livre.

[2] Além dos organizadores: Burma (atual Mianmar), Ceilão (atual Sri Lanka), Índia, Indonésia e Paquistão, participaram do evento: Afeganistão, Arábia Saudita, Camboja, China, Filipinas, Irã, Iraque, Japão, Jordânia, Laos, Líbano, Nepal, Síria, Tailândia, Turquia, Vietnã do Norte, Vietnã do Sul e Iêmen.

[3] Costa do Ouro (atual Gana), Egito, Etiópia, Líbia, Libéria e Sudão.

A visão Bantu Kongo da sacralidade do Mundo Natural. Por Kimbwandende Kia Bunseki Fu­Kiau. Tradução portuguesa por Valdina O. Pinto

A visão Bakonga do Mundo Natural. Por Bunseki Fu Kiau . Tradução Makota Valdina

O mundo natural para o povo Bântu, é a totalidade de totalidades amarradas acima como um
pacote (futu) por Kalunga, a energia superior e mais completa, dentro e em volta de cada coisa
no interior do universo ( luyalungunu). Nossa Terra, o “pacote de essências/medicamentos”
(futu dia n’kisi) para a vida na Terra, é parte dessa totalidade de totalidades. É vida. É o que é,
visível e invisível. É a ligação do todo em um através do processo de vida e viver ( dingo­dingo
dia môyo ye zinga). É o que nós somos porque nós somos uma parte disso. É o que mantém cada
coisa na Terra e no Universo em seu lugar.

O conceito Bântu­Kôngo da sacralidade do mundo natural é simples e claro. Tem­se que deixá­
los definir o nosso planeta com suas próprias palavras: “Aos olhos do povo Africano,
especialmente aqueles em contato com os ensinamentos das antigas escolas Africanas, a Terra,
nosso planeta, é futu dia n’kisi diakânga Kalûnga mu diâmbu dia môyo ­ um sachet (pacote)
de essências/remédios amarrados por Kalûnga com intenção de vida na Terra. Esse futu ou
funda contém cada coisa que a vida precisa para sua sobrevivência: essências/remédios ( n’kisi /
bilongo), comida (madia), bebida (ndwînu)”, etc1.
O mundo natural é o que nós vemos, tocamos, sentimos, saboreamos e ouvimos e ainda assim nós
não podemos alcançar o significado em sua totalidade. É o mistério de todos os mistérios. É o
cerne do que é espiritual e sagrado. É ligar e desligar (Kala ye Zima ) de todas as coisas, i.é.,
Nkingu Kibeni Wangudi Wa Kinenga mu biobio (a chave princípio de equilíbrio em tudo).
Todas essas coisas, de acordo com o conceito Bântu de sacralidade são seres (Kadi), com ou sem
expressão, com ou sem poder de locomoção.
O povo Bântu, Kôngo e Luba, entre eles, aceitam o mundo natural como sagrado em sua
totalidade porque, através dele, eles vêem refletida a grandeza de Kalûnga. A energia superior de
vida, aquele que é inteiramente completo (lunga) por si próprio. Assim, quando um Mûntu (ser
humano) vê um minúsculo cristal (ngêngele) ele/ela vê nele, não só sua sacralidade, mas também
a presença divina de Kalûnga.
Além da atenção e admiração dadas a montanhas, vales, ao vento, ao céu e às mudanças do ciclo
natural, o Mûntu dá especial atenção ao mundo da floresta porque, como se diz, “Mfinda
Kasuka tufukidi”­ nós perecemos se as florestas são extintas. Por causa dessa visão popular
entre os Bântu, o próprio ato de entrar na floresta torna­se um ritual sagrado.
Antes de alguém entrar na floresta deve preparar­se ritualmente, porque ir para dentro da floresta
é entrar numa das mais ricas e bem documentadas bibliotecas vivas na Terra. Em seu leito e
abaixo vivem centenas e centenas de criaturas, grandes e pequenas, visíveis e invisíveis, fracas e
poderosas, amigáveis e hostís, conhecidas e desconhecidas. Em seu interior correm, serpenteando,
rios dentro dos quais nadam multidões de peixes. E acima de suas folhagens podem­se ouvir sons
e melodias de todos os tipos. Todas essas “coisas”, dentro da floresta, constituem assuntos de
aprendizagens para Mûntu, das quais ele coleta dados que ele pode “engavetar” em sua memória
para uso futuro. Esse é o processo de construir conhecimento ­ nzailu.
Por causa dos aspectos de hostilidade presentes na floresta, o Mûntu deve proteger­se antes de
entrar na floresta. Para isso, ele algumas vezes tem que imunizar seu corpo ­kândika nitu antes
de deixar a aldeia, especialmente durante a estação de caça.
O processo nkandukulu a nitu­ imunização do corpo consiste em esfregar preparação medicinal
no corpo, introduzir algo no corpo através de pequenas incisões na pele ou através da boca. Até 
mesmo os cães de caça passam por esse processo e são imunizados antes deles serem conduzidos
para dentro do mato.
Adentrar uma floresta familiar é percebido como andar nos passos dos ancestrais. É descobrir o
que eles conheceram transmitiram para nós, mas também encontrar saída onde eles deixaram
fechado de modo que possamos caminhar em direção as mais descobertas para as necessidades de
nossas gerações e aquelas das gerações futuras. Porém lá é mais que isso.
Andar na mata durante a iniciação, é revisitar Makulu 2, onde cada coisa é possível de ser
encontrada ­ Digamos aqui antes do trecho, que estudiosos Kôngo modernos estão usando este
termo, makulu, nas suas conversações para significar biblioteca. Bem, não são as bibliotecas do
mundo, coleções, em grandes parte, dos trabalhos dos mortos (bakulu), os ancestrais? Não é
humanidade constituída por mais mortos do que vivos?
A revisita de makula tem um grande impacto na mente de ngudi­a­ngânga (mestre iniciadores) e
seus seguidores (lândi) intelectualmente bem como espiritualmente. O processo em si mesmo é
chamado “Mokina ye bafwa”­ conversar com o morto3.

 

Isso é, sumariamente:

 

.Reunião com os ancestrais, i.e., com a presença de sua energia (ngolo minienie miâu).

 

.Viver a experiência do tempo, como hoje é vivida bem como foi vivida no passado e como deve
ser vivida no futuro.
.Andar no passado seguindo Kini Kia bakulu (a sombra dos ancestrais).
.Rever o laço da comunidade bio­genética ­ n’sing’a dikânda: como fortificá­lo e como expandir
seus ensinamentos.
.É estar em contato espiritualmente bem como intelectualmente com a sabedoria tradicional
Africana (kingânga) do passado.
.É entender as condições de vida e viver daquele tempo e de agora.
.Finalmente, é conversar com “bakulu”, ancestrais, numa experiência pessoal, i. É., sentindo sua
presença entre nós hoje e amanhã.
Por causa da sacralidade do mundo natural como um real mundo vivo, tão ilustrado pela verdura
de plantas e florestas, mawubi/ maghubi, a maioria das reuniões que dão poderes espiritualmente
são mantidas em florestas. Por causa de sua importância para a vida e o viver, o mundo natural, e
a floresta em particular, é percebido como um templo aberto para todos. As pessoas são
conduzidas para dentro desse templo mais espiritualmente sagrado, essa biblioteca viva, para
tornar­se de verdade homem/mulher através do processo de iniciação, i. É., Mu bulwa mèso ­
manter­se de olhos abertos. É um processo de aprender como vincular­se com a natureza em
unidade com ela. É aprender o que as florestas armazenam (como conhecimento) para nós; o que
as plantas são para nosso uso; que criaturas compartilham nosso ecossistema conosco. É descobrir
em nosso ambiente o que é comestível ou medicinal e o que não é.
O mundo natural é o mais seguro e rico laboratório da raça humana. É um laboratório sem
paredes, que os Bântu continuam a descobrir desde a sua mais tenra idade. O processo
fundamental de aprendizagem para os jovens Bântu tem lugar dentro desses laboratórios sem
paredes. As pessoas andam dentro deles silenciosamente, por causa da sua sacralidade, e elas
ficam de pé ali assim como diante de monumentos.
O homem do remédio (ngânga), curador da comunidade, gasta maior parte do seu tempo dentro
desse templos vivos, bibliotecas e laboratórios para “estudar” e coletar o remédio da comunidade.
Para cada remédio ele canta uma cantiga com detalhes de como e quando o remédio é preparado e
usado. Da mesma maneira, seus/suas seguidores (as) ­ bâna, literalmente “crianças”, aqueles a
tornarem­se futuros ngânga, repetirão ­ kumbu lula aquelas mesmas cantigas de remédio, bem 
como as suas próprias. Cantar os remédios corretamente e perfeitamente é um método popular
para manter a receita do medicamento e é uma das mais importantes responsabilidades de um
m’buki ­ curador entre os Bântu. A arte de “cantar os remédios” é vista também como uma
rotina diária espiritualmente sagrada do nganga.
Os pais Bântu sabem que ninguém pode criar uma família a menos que conheça o caminho que
conduz ao trabalho da terra, especialmente na floresta, porque a maior parte dos alimentos são
encontrados na floresta. Esses alimentos são os nossos primários e mais importantes remédios.
Porque o que nós comemos é ambos: comida e remédio; deve­se ser cuidadoso com a quantidade
de comida ingerida. Os alimentos têm que ser cultivados livres de toda contaminação química e
mantidos naturalmente frescos.
Sendo as florestas, entre outras coisas, a mais documentada das bibliotecas de vida natural, o ser
humano de todos os lugares corre em sua direção para obter comida, remédio, lazer e informação.
“Mûntu nzo a binsansa bifuti zaduswa kwa ntôtila”­ “um ser humano é apenas um armazém
com prateleiras para serem ocupadas com “a matéria prima coletada”, ensina o Kôngo.
As matérias primas coletadas (ntotila) necessárias para encher as prateleiras do armazém acima têm que vir de fora do armazém onde elas possam ser encontradas. Igualmente, desde o seu nascimento o Mûntu ­ ser humano é apenas um vão do armazém que será constantemente estocado com totwa ­ dados coletados para uso futuro. “Milongi Kasuka Ku mpemba”­ aprendizagem que termina com a morte, insiste o Kôngo ­ em outras palavras, aprendizagem é um dingo­dingo ­ processo de vida longa que termina somente com a morte.
Os Bântu­Kôngo acreditam e ensinam que os seres humanos estão apenas equipados, desde o
ponto da concepção, com o poder de colocar dados. Eles não estão equipados com conhecimento (sua inteligência torna­se analiticamente ativa quando dados informativos são colocados dentro).
Eles são computadores vivos carregando grandes, poderosos armazéns para serem cheios com
dados ou informações. Seus movimentos em todos as direções (para frente, para trás, à direita, à 
esquerda, para cima, para baixo e para dentro de si) é intencionado essencialmente para coleção de dados. Esses dados ajudam ao Mûntu ­ Ser humano construir o que ele chama nzailu ­conhecimento.
As escolas Bântu­Kôngo ensinaram que o conhecimento não está em nós. Está fora de nós.4 E
como tal, as crianças Bântu em geral e o povo Kôngo em particular, eram ensinados desde a mais tenra idade, a andar no mato/floresta, a mais documentada biblioteca natural, onde eles podiam encontrar informação para sua sobrevivência. Esse processo de aprendizagem era realizado igualmente através de escolas especializadas ou através de grandes iniciações. “Para o Kôngo, a não ser pelas grandes iniciações, todo conhecimento era comunicado por meio de numerosas escolas que cada mestre, ngânga, ou artesão emérito organizava em volta dele próprio”.5
Grandes iniciações ou alta aprendizagem era dada por três razões principais:
.Era, biologicamente , um processo social requerido, através do qual se alcançava a posição social
de mulher/homem adulta (o) ­ Kimbuta.
.Era, intelectualmente, um processo através do qual deve­se ter os olhos abertos ­ bulwa mèso ­
aos princípios fundamentais de vida e viver ­ nkîngu miangudi mia lutufu lwa môyo ye zingu,
especialmente aqueles relacionados às leis naturais ­ n’siku miamena.
.Finalmente era, espiritualmente , um processo através do qual tinha­se que descobrir o círculo de
vida ­ dikenga dia môyo ­ e seu centro ­ didi ­ interiormente e exteriormente, a descoberta de sua
própria visão de mundo e o poder de levantar­se verticalmente­ telama lwîmba­ngânga ­ nos
seus pés antes de andar horizontalmente para encontrar os desafios do mundo ­ ntembe za nza.
Infelizmente, a situação virou de alto a baixo com a invasão dos poderes coloniais. O Mûntu foi,
à força, impedido de mover­se no seu próprio ambiente e vizinhanças e perdeu não somente o seu
poder de aprendizagem, o poder de coletar e guardar dados, mas também seu criativo poder de
cura ­ lendo kiamvângila ye kiambukila. Submetido aos poderosos, o ser humano que construiu
impérios, reinos, pirâmides, etc, foi declarado sem inteligência pelo invasor.
No topo disso veio o mais inumano e pecaminoso negócio oposto ao auto­desenvolvimento que
tomou lugar em África ­ a escravidão, i. E., o tráfico de seres humanos. Isso tornou­se a mais
vergonhosa e desastrosa morte para o ser humano no continente africano. Nós sabemos, pessoas
que viajam mais freqüentemente a diferentes partes do mundo, vão a bibliotecas (incluindo as
bibliotecas naturais), escutam notícias, lêem jornais e, agora, quem trabalha com cadeia de
emissoras no computador sabe mais do que aqueles que não o fazem. Isso é o “poder de engavetar
planos, idéias”, a chave para a ativa aprendizagem. Sem ela Mûntu ­ o ser humano torna­se
submetido a permanente aprendizagem passiva que é o agente condutor à ignorância. E
colonização, escravidão, opressão e prisão têm conduzido muitos nesse vicioso ciclo de vida.
A abolição do tráfico de escravos e descolonização não libertou completamente o povo africano
em todas as partes onde eles são encontrados. Cadeias, prisões e projetos de alojamentos
incrementados com grande rapidez são feitos não somente para controlar seus movimentos, mas
para mantê­los fora das bibliotecas naturais, escolas e empregos. Tudo isso acontece no período
que prepara para a entrada da zona criativa ­ lubata wa mvângila, o período de aprendizagem.
Agora armas de fogo e drogas estão sendo despejados em toda parte do continente para
desestabilizar o processo de aprendizagem que deveria estar tomando o lugar nas comunidades
Africanas. Conceitos de valor e sacralidade de vida e mundo estão se deteriorando.
Para os Bântu, o mundo natural é secreto e sagrado. Esses dois insondáveis epítetos para o nosso mundo natural, ampînda ­ secreto e anlôngo ­ sagrado são cuidadosamente passados de geração a geração como o único meio de manter a mãe Terra segura e sadia para continuar a fornecer a vida na Terra. E, por causa de ambos o segredo ­ mpînda/bumpînda e a sacralidade ­nlôngo/bulôngo, é um perigo para toda vida na terra se Mûntu ­ o ser humano devido ao seu
conhecimento cuidadosamente não “Longuka bwè mu kanga ye kutula makolo ma n’siku
miamena” aprender como codificar e decodificar os segredos das leis naturais. Esses makolo
(laços) podem ser qualquer coisa, genes ou elementos químicos.
Nós somos “sagrados” porque nosso mundo natural é sagrado. Nossas moradias e nossos
pertences são sagrados, porque são feitos de matérias primas tiradas do mundo natural, do mundo
sagrado. Qualquer coisa feita do equilíbrio ­ Kinenga do mais interno do solo é sagrado e nào
pode perturbar a vida dentro e em torno de nós. E muito mais, diria um Mûntu, nós somos
sagrados porque nosso solo é sagrado e inalienável. Por causa dessa sacralidade e inalienabilidade
desse solo (seu mundo natural particular), os Bântu mantinham seu solo, o sustento de todas as
vidas , como uma inalienável comunidade. Ninguém podia colocar um preço nele. Era a
precaução para evitar abuso e ganância: “o solo não era mercadoria para ser comprada e vendida;
o solo era inalienável no sistema tradicional. Cada domínio era ganho por uma certa
matrilinearidade (ou patrilinearidade) que podia, de fato, permitir o uso de uma parte dessa área
ao parente ou mesmo ao estranho/estrangeiro…, mas isso não significava que dava direito sobre
esse solo.6
Reconhecer a sacralidade do mundo natural é o começo de nosso entendimento de ser um com a
natureza; ou é ou não é. E dingo­dingo dia kala ye zima, o processo de viver (ser, aparecer,
surgir no mundo natural) e morrer (sair, desligar­se do mundo natural) ou seja acender e apagar,
ligar e desligar. Um não existe sem o outro.
Nosso mundo natural é sagrado porque ele carrega ambos vida e morte em perfeito equilíbrio para
manter toda existência nele em movimento. Destruir esse equilíbrio, sua sacralidade, é causar um
fim para ele e para todos nós.
 
NOTAS:
FU­ KIAU, 1991: Self Healing Power e Therapy (p.111), Vantage Press, Inc.,N.Y.
O termo makulu significa: a) antiga aldeia, velha cidade, ruínas onde o passado ou história (kikulu) está oculto (a); b) a cidade dos ancestrais, mundo espiritual (Ku mpemba); c) hoje também significa “biblioteca”, então Harvard University Library seria dito “Makulu ma Luyalungunu, lwa Harvard” na língua Kikongo.
É também o título do trabalho de FU­KIAU Mokina ye Bafwa / la conversation avec les morts. Luyalungunu lwa Kûmba ­ nsi, Kûmba, 1991.
Poucas semanas depois de minha palestra sobre um assunto relacionado a esse tópico na 24 Conferência Anual de Ensino do Comportamento Organizacional (OBTC), Case Western Reserve University, Cleveland, OH., em 13 de junho de 1997 um assistente da palestra telefonou­me, no terceiro dia depois do desembarque do Pathfinder em Março e deixou a seguinte mensagem na minha secretária eletrônica: “Dr. Fu­Kiau, seu ensinamento está provado! Nós desembarcamos em Março. Nós estamos agora engavetando dados para o nosso futuro. O conhecimento não está em nós. Obrigado outra vez, Dr. Fu­Kiau.

 

Balandier, 6.,1969: Daily Life In Kingdom of Kôngo/From The Sixteenth to the Eighteenth Contury (p.225); Meridian Books, N.Y.

 

6 Kajsa, E.,1972: Power And Prestige; The Rise And Fall Of The Kongo Kingdom, (p.71); Upp sala,Sweden.
 
ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO BANTU – ACBANTU
COMUNIDADES ORGANIZADAS DA DIASPORA AFRICANA ­ Rede KÔDYA
Parceira Fome Zero No 067 

*Texto original em Inglês